10/13/2016 01:39:00 PM

Porque é feio. Por quê?

Por Fernanda Tsuji |





- Comprei cicatricure para passar nas minhas estrias.
- Pra quê?
- Para apagar as marcas, ué!
- Mas por que você quer apagar as estrias?
(Minha cara de incredulidade)
- Porque é feio! Porque eu não gosto do meu corpo assim!
- Mas por que você acha feio, Fernanda?
 
Não sei. Por que é feio? A primeira resposta que me veio à cabeça foi automática, não vou mentir. Não falei pra ele, mas foi um pensamento bem machista e enraizado. "Porque eu quero estar bonita como quando tinha 20 anos e você me conheceu. Não quero que você (e nem eu) perceba que o tempo passou".

- Não estou baixando a cabeça para nenhum padrão de beleza imposto, Alberto. Eu só não gosto. - respondi meio irritadinha, meio infantilóide, reunindo rapidamente todos os conceitos frágeis de beleza diversa que a gente compra fácil por aí. Repeti um discurso qualquer. Banal.

Fui pro banho incomodada.

Eu gosto de ver o tempo passar, nunca pensei que me incomodava envelhecer. Sou uma pessoa de lembranças. Por que ficaria mal com marquinhas brancas na minha barriga? Elas vieram de uma gravidez tão esperada, tão desejada, tão reveladora. Só me fez bem.

Passei o tal cicatricure e fiquei lembrando de todos os dias do meu barrigão, de como era gostoso sentir a nenê crescer. A barriga de hoje, murcha, meio flácida e com marquinhas realmente não lembra em nada a minha barriga de 10 anos atrás. Mas por que eu deveria querer me manter como eu era, se eu já não sou mais a mesma? O que eu conheço hoje é infinitamente superior ao que meu corpo registrava aos 20.

A gente vê as propagandas de beleza empoderadora da Dove, assiste campanha de diversidade na GNT, compra batom com discurso feminista da Avon e acha tudo lindo, compartilha, dá like, mas no fim do dia, estamos lá passando creme para apagar as estrias e sentindo saudade da bunda que tínhamos aos 20, recusando mais um pedaço de bolo e odiando cada segundo em cima da esteira. Quer dizer, você eu não sei, mas eu tô. Clichezona.

Sou partidária de que só posso falar sobre a minha própria vida, porque o outro é uma imensidão que nunca vou ter como compreender. Se vamos morrer sem nos entender completamente (um beijo pra minha terapeuta), que dirá opinar sobre as questões do outro. Aqui, destes 32 anos, eu nunca tinha realmente me perguntado porque "era feio" ter estrias. Assim, por cima, a gente se convence rapidinho, repete algum discurso que leu por aí, afasta o machismo, enche o peito pra dizer que não tem insegurança com o corpo, que só não curte as marquinhas, mas...e se eu realmente começasse a gostar da minha barriga cheia de história?

Fiquei me observando no espelho tentando me abster do julgamento cruel, quase automático, que costumamos dar ao nosso corpo todos os dias. Se eu sou o que também escolhi ser - né, Amarante? - por que o meu corpo, reflexo do meu caminho, deveria ser motivo de vergonha? Essa não sou eu, poxa? Com todas as minhas falhas, minhas cicatrizes, minhas boas e más escolhas, minhas horas no pilates e também minhas receitas carregadas de gordura saturada? Eu não sou mais uma menina, não tenho como ser, já vivi demais para caber naquele corpo do passado.

Claro que eu posso ter minhas preferências, o modo como me sinto bem, o melhor que posso querer pra minha saúde, mas o que me incomoda é que em algum ponto da vida, adotei conceitos que nem sei de onde surgiram. E aí continuei repetindo à exaustão sem me questionar se era meu ou do outro.
A gente compra discurso fácil se ele vem bonitinho, higienizado, com o aval de alguma marca ou pessoa que gostamos. Das nossas mães à Forever 21. "Aceite sua beleza", você lê por aí, mas seria melhor entendê-la, não?

O outro não sabe nem metade do que somos. Sempre que eu vejo alguém compartilhando um textão alheio, penso que ninguém nunca vai poder dizer o que eu acredito, melhor do que eu mesma. Então tá aí, tô dizendo.

O creme tá lá na gaveta do banheiro.Talvez tenham sido 42 reais gastos à toa. Ainda não sei a resposta, mas acho que o questionamento já é meio caminho. Quem sabe no próximo verão as estrias não saiam pra tomar um solzinho?

1 comentários:

Larissa Tsuda disse...

Tava com saudades dos seus textos no blog! Pela volta dos blogs! Mais blogs, menos facebook! Realmente não tem problema aceitar ideias pré-concebidas de o que é bonito e o que é feio. O importante é às vezes poder parar para pensar no porque de tudo isso e aí sim elaborar uma opinião própria. E o fato de que você para e pensa por si faz com que eu me identifique com você e que sejamos amigas!