- A gente só deseja o que sente falta.
E naquele momento que ela disse isso, ele só queria um copo de água com
limão. E gelo, tanto gelo, que anestesiasse a garganta para que ele não falasse
mais e doesse os ouvidos para que não precisasse mais ouvir o que ela falava. (O
limão era só pra lembrar que ainda era capaz de sentir um gosto que ela não
estivesse sentindo). O que ela tava sentindo? Com certeza não era o mesmo que
ele, já que ela gritava e ele...ele só queria parar de falar e nunca mais ter
que pensar no que ela sentia falta.
Ela caminhou até a borda da água e parou de costas. Ele quis correr até
ali, mas ficou no banco, onde tantas vezes eles tinham sentado. Ele tentou
puxar na memória todos os detalhes do rosto dela, cada pinta engraçadinha, a
boca pequena, as pontas dos cílios curvadas, os olhos...os olhos estavam
tristes agora. Afastou o pensamento forçosamente para os dias felizes como num
clipe cafona: os dois correndo na praia, ela rindo embaixo do cobertor, as
cócegas no domingo de manhã. Não parecia ter acontecido com ele, com ela, nessa
vida. O casamento num sábado quente, coincidentemente de lua cheia, bem ali
onde estavam agora. O ciclo.
Não ventava e ele precisou afastar a ideia da cabeça como quem espanta
mosquinhas de fruta. Ela não se mexia na borda da água e ele ficou pensando que
podia ser chantagem. Os jogos cansativos que envolviam correr para os mesmos
lugares. Ela fez um drama tão grande para irem à praia, para ficar um pouquinho
sozinhos e ali estavam. Tão, mas tão infelizes, que ele se imaginou empurrando
ela na água e caminhando de volta pro quarto sozinho e no escuro. Ela pareceu
adivinhar o pensamento e veio se sentar ao lado dele. Os olhos tristes. Talvez
fosse hora de se despedir, deixar que ela e seus olhares tristonhos não fossem mais
da responsabilidade dele. Talvez devessem quebrar os votos ali mesmo onde eles
foram feitos.
- Eu esperei que viesse, falei com todas as letras que queria ter isso
e achei que você não estava escutando. Mas você estava, só não queria o que eu
queria.
- Na...
- Você não quer falar, então não fala. Eu vou ficar e acho, acho que...o
amor vai achar a gente outra vez.
- E dessa vez eu vou estar pronto.
Ele estranhou a prontidão da frase, a mão que correu rápida nos cabelos
dela, o olhar dela, agora menos triste. Talvez fosse para ter terminado ali. “Hoje
não, hoje não”, pensou ele, jogando um lastro no mar de más idéias. “Hoje só
quero voltar pra casa”.
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