Era inverno de 2005. Eu tinha acabado de chegar à
cidadezinha minúscula onde viveria pelos meses seguintes no Japão. Fazia um
frio desgraçado, eu estava sozinha em casa e achei um desperdício ficar vendo a vida pela janela. Vesti três casacos, meias grossas, luvas peludinhas e saí
pra andar de bicicleta pelas redondezas. A ideia era visitar um amigo que
morava em uma área cheia de árvores. A sensação de estar na rua era agradável,
tinha um quê de liberdade, de filme de sessão da tarde. Uma menina numa
bicicleta, ouvindo walkman, correndo pelas ruas salpicadas de gelo.
Imersa no meu filminho aventureiro, eu não percebi que
deveria ter virado a direito em uma grande rodovia. Quando dei por mim, já
estava numa rua completamente escura, cercada de árvores e tinha começado a
nevar forte. Minha primeira reação, claro, foi o famoso “vou ligar pra minha
mãe”. Ela não atendeu, me deixando com a segunda opção: crescer E começar a
lacrimejar. Nem digo chorar, porque foi uma sensação estranha de ardência nos
olhos e dor de cabeça. “Ai, eu to perdida! Tô perdida!” e “Vou ser devorada por
um urso e ainda vão roubar minha carteira!” foram dois pensamentos bem
recorrentes naquela hora. Fazia pelo menos uns 30 minutos que eu não cruzava
com ninguém na rua e percebi que realmente estava sozinha.
O chão pareceu tremer, mas não era (ainda!) um terremoto.
Era só aquele medo imenso que toma conta de cada centímetro do seu corpo ao se
dar conta de que está perdida. Perdida, anoitecendo, no meio do mato, em outro
país, debaixo da neve e sem saber voltar pra casa. Sem saber voltar pra casa! Lembro
do meu peito latejando do ar frio, dos meus olhos úmidos e da dormência na
ponta dos dedos.
Mas é aí que está o valor de se estar perdido. Se você já
não sabe mais pra onde está indo, não importa que caminho seguir. Quando o caos
na mente acalmou e eu me certifiquei por probabilidade de que não apareceriam
ursos por ali, subi de novo na bicicleta, limpei o rosto com a blusa e saí
pedalando como louca em uma direção aleatória. No caminho, minha cabeça começou
a funcionar bem mais rápido e eu fui, aos poucos, relembrando os trechos por
onde tinha passado. Não era exatamente o mesmo caminho da ida, mas
funcionou. O vento cortando o rosto ia levando o medo embora e ia me sobrando
uma coragem recém-adquirida. Cheguei no apartamento suando, queimada da neve,
com o corpo dolorido e sozinha. Sozinha, mas em casa.
Não é lá uma grande aventura, mas a sensação do peito
ardendo de vulnerabilidade me ensinou que nem sempre é ruim estar perdida, sem
saber o rumo de casa. É só não ficar paralisada de medo, é só voltar a pedalar,
lembrar de cada trecho que se passou no caminho e tentar novas ruelas. Hoje
foi, outra vez, o final de um pequeno ciclo. Eu ainda estou pedalando, tentando
deixar o medo pelo caminho. Logo, logo eu chego em casa. Já dá pra ver a luz
acesa...
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