2/18/2013 01:39:00 PM

O valor de estar completamente perdida

Por Fernanda Tsuji |

Era inverno de 2005. Eu tinha acabado de chegar à cidadezinha minúscula onde viveria pelos meses seguintes no Japão. Fazia um frio desgraçado, eu estava sozinha em casa e achei um desperdício ficar vendo a vida pela janela. Vesti três casacos, meias grossas, luvas peludinhas e saí pra andar de bicicleta pelas redondezas. A ideia era visitar um amigo que morava em uma área cheia de árvores. A sensação de estar na rua era agradável, tinha um quê de liberdade, de filme de sessão da tarde. Uma menina numa bicicleta, ouvindo walkman, correndo pelas ruas salpicadas de gelo.


Imersa no meu filminho aventureiro, eu não percebi que deveria ter virado a direito em uma grande rodovia. Quando dei por mim, já estava numa rua completamente escura, cercada de árvores e tinha começado a nevar forte. Minha primeira reação, claro, foi o famoso “vou ligar pra minha mãe”. Ela não atendeu, me deixando com a segunda opção: crescer E começar a lacrimejar. Nem digo chorar, porque foi uma sensação estranha de ardência nos olhos e dor de cabeça. “Ai, eu to perdida! Tô perdida!” e “Vou ser devorada por um urso e ainda vão roubar minha carteira!” foram dois pensamentos bem recorrentes naquela hora. Fazia pelo menos uns 30 minutos que eu não cruzava com ninguém na rua e percebi que realmente estava sozinha.

O chão pareceu tremer, mas não era (ainda!) um terremoto. Era só aquele medo imenso que toma conta de cada centímetro do seu corpo ao se dar conta de que está perdida. Perdida, anoitecendo, no meio do mato, em outro país, debaixo da neve e sem saber voltar pra casa. Sem saber voltar pra casa! Lembro do meu peito latejando do ar frio, dos meus olhos úmidos e da dormência na ponta dos dedos.

Mas é aí que está o valor de se estar perdido. Se você já não sabe mais pra onde está indo, não importa que caminho seguir. Quando o caos na mente acalmou e eu me certifiquei por probabilidade de que não apareceriam ursos por ali, subi de novo na bicicleta, limpei o rosto com a blusa e saí pedalando como louca em uma direção aleatória. No caminho, minha cabeça começou a funcionar bem mais rápido e eu fui, aos poucos, relembrando os trechos por onde tinha passado. Não era exatamente o mesmo caminho da ida, mas funcionou. O vento cortando o rosto ia levando o medo embora e ia me sobrando uma coragem recém-adquirida. Cheguei no apartamento suando, queimada da neve, com o corpo dolorido e sozinha. Sozinha, mas em casa.

Não é lá uma grande aventura, mas a sensação do peito ardendo de vulnerabilidade me ensinou que nem sempre é ruim estar perdida, sem saber o rumo de casa. É só não ficar paralisada de medo, é só voltar a pedalar, lembrar de cada trecho que se passou no caminho e tentar novas ruelas. Hoje foi, outra vez, o final de um pequeno ciclo. Eu ainda estou pedalando, tentando deixar o medo pelo caminho. Logo, logo eu chego em casa. Já dá pra ver a luz acesa...


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