Hoje eu não acordei. Quer dizer, acordei, vesti os chinelos,
levei o Gabo pra passear, tomei chá com biscoitos, mas até agora não despertei.
Acho que faz desde segunda que eu não levanto da cama. Ou melhor: levantei,
escrevi matérias, cozinhei, brinquei com o cachorro, jantei com meu irmão,
discuti e afaguei o B, mas ainda estou dormindo. Perdida, andando em um sono
pesado e tentando despertar. Sonâmbula.
Lembro de acordar um dia no Guarujá, quando era pequena, e
ver a minha mãe no final do corredor. Ela me fez sinal de silêncio com os dedos
e me chamou pra ver. Meu irmão, que sempre teve crises de sonambulismo, estava
sentado na sala lendo gibis de olhos fechados. E já tinha lido vários, tamanha
a pilha de um lado e a cesta de revistas vazia do outro.
Fico tentando acordar logo, mas o máximo que consigo é ficar
me debatendo no escuro. O despertador
não toca, deve estar fora da tomada. A vontade e a pulsão de sair pra rua, que
é o que me move sempre, fica tiquetaqueando fraquinha no fundo de algum lugar.
Tum-tum-t....
E eu fico me esgueirando num pedacinho de sol que entra pela
janela, tentando me manter aquecida, enquanto não desperto. Me pergunto se isso
é falta de ver pessoas, de conversar, de me irritar. Mas não. Faz só alguns
dias que tive duas festas de aniversário animadas, que conversei por horas com
a amiga preferida, que ganhei um cachorro feliz.
O sono forma nuvens densas nas minhas lentes de míope e eu tenho
sono. Mas se me deito, não durmo. Fico de olhos abertos e anestesiada. Meu
corpo não está cansado, minha cabeça está bem em cima dos meus ombros. Tenho o
que desejei tanto há um ano. E agora, bem agora, bateu um sono que me impede de
estar aqui. Caminho sem ruído em algum lugar com muita luz e sem vento. Atracada em algum
cais bem longe.
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Ontem, antes de deitar na cama, me lembrei do saguão do
aeroporto do Canadá. Tinha muita neve do dia anterior e como o teto era todinho
de vidro, o sol batia no gelo e deixava tudo extremamente claro. Encontrei
minha sala de embarque e como ainda tinha mais de 4 horas até meu voo, peguei
um café, comprei um pocket book e fiquei sentada sob o sol forte que entrava
pelo vidro. Não tinha ninguém ao redor e eu só fiquei ali. Um tipo de
tranquilidade rara de quem sabe que vai pra algum lugar, mas que tem uns
minutos permitidos pra ficar sentado ao sol.
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