4/15/2009 07:03:00 AM

Custa o que correr / Corre o que custar

Por Fernanda Tsuji |

Nem tudo precisa ser um tratado. Não. Olha a pilha de bolinhas de papel ao seu redor. Simples, foca no simples. Deixa de querer fazer bonito, que isso não vai te levar a lugar nenhum, Estelle. Ler e reler o que você escreve imaginando o que os outros vão pensar quando te lerem vai te levar ao inferno de Sartre, sabia?

Não pensa muito...aposto que sai muito melhor. Escreve sobre as suas memórias que não te deixam dormir. Ou então, que tal sobre aquele medinho da sombra que fica no canto quando você desliga o abajur? Não? Infantil demais? Ok, fala sobre a frustração de andar em linha reta, mas com aquela vontade de correr em zigue-zague. Mais do mesmo, sei...

É...O jeito é sentar no chão do quarto outra vez e tirar todas as gavetas pra fora do armário. Uma por uma, você desdobra e dobra outra vez nas mesmas marcas, só pra ter certeza de que está tudo alinhado. Aquela camiseta velha de banda vai ficar no fundo da gaveta, que é para não correr o risco de você jogar fora num momento de revolta com o passado e depois se arrepender. Os vestidos novos ficam penduradinhos como troféus e as calcinhas são ordenadas por tamanho. Os casacos de frio empacotados na última gaveta, para quando precisar. Os sapatos alinhados dos mais bonitos e novos para os tênis velhos e desbotados que você não usa nunca. Fecha os armários, agora, e esquece.

Eu sei, você nunca esquece. Nada, nunca. A não ser as chaves e os óculos. Memórias corrosivas as suas. Daquelas que você gosta de rever, recontar e descobrir detalhes escondidos, como quem assiste pela milésima vez De volta para o futuro quando passa na sessão da tarde. “Minhas lembranças são quem eu sou”. Pára de se defender. É fácil se abrigar no conhecido quando se tem que enfrentar o novo, sair da sua casa. Sim, sair de casa mais uma vez. Quantas vezes serão necessárias? Quando vai chegar? Vai chegar? Precisa chegar?

Logo, logo, calma, calma. E não quero ser cruel, mas não espere que as aflições passem com o tempo. Certos medos , como aquele de abrir os olhos no banho e ver um fantasma, não passam nunca. Perseguem a gente até o fim. Mas é preciso saber conviver com o que você não consegue explicar. E explicar, explicar, explicar é um vício.

Quando eu passo no cemitério da Consolação, penso sobre nós. Eu, você, ele, todo mundo. E me lembro daquela musiquinha que você gosta de cantarolar: “Como se morrer/ Fosse desaguar...”. E o rio corre, Alice, cada vez mais cheio.

No restante é aquela mesma ladainha: Todos os dias ao entrar no ônibus, faça o acordo mental com o motorista: olha, a R$2,30, eu te entrego a minha vida. Sim, porque convenhamos, se ele quiser bater de frente no poste, quem vai impedí-lo? No fim, é de compactuar com a vida. Porque algumas revoluções são batalha ganha e sabe, você não é a vencedora da vez (mesmo se esforçando tanto tanto). Inocência pensar que dá para chegar até lá inteira. O que vai perder pelo caminho, compensa? Hoje quero pensar que não. Amanhã você me diz.


Tempo a gente tem/ Quanto a gente dá/Corre o que correr/Custa o que custar/Tempo a gente dá/Quanto a gente tem/Custa o que correr/Corre o que custar/O tempo que eu perdi/Só agora eu sei/Aprender a dar/Foi o que ganhei
(Little Joy- Evaporar)

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