A moça acorda todos os dias em horários distintos, mas sempre entre às 7h e as 8h. É o tempo de tomar um banho, escovar os dentes, prender os cabelos com grampos finos. O salto bate no taco e faz um agradável tac-tac. No caminho entre o quarto e a porta da sala, entra na cozinha como se fosse um ato inesperado. Inesperado se todos os dias não fossem exatamente iguais. A caneca branca com dizeres carinhosos e cafonas em vermelho e o nescafé flocado com leite morno. Em exatos 5 goles, mas sem que nunca percebesse quantos goles eram de fato. Pra ela, era só o ato de sorver. Os lábios de batom sujavam a borda da caneca e no canto da boca, ela lambia a gota morna e doce. Sem pensar, fechava a porta com a mão direita e apertava o botão do elevador sempre com a esquerda. Batucava na pasta com a ponta das unhas coloridas e quando enfim entrava no elevador, suspirava um longo e demorado ar, que descia pela garganta e voltava trazendo um "ai", bem baixinho. E ia.
O homem só dormia bem quando ela não estava lá do lado. Então esperava que ela fosse pro banho todas as noites pra correr e deitar na cama antes dela. Era a paz escutar o chuveiro aberto e ouvindo o gotejar, ele adormecia com a certeza de que ela viria depois. Sempre, de segunda a quinta, que sexta a rotina era outra. Aí sim, esperava ela chegar, abraçavam-se e acordados- mas não despertos- faziam amor. Sem alarde, sem palavras. E dormiam de mãos dadas. Ele gostava de acordar de sábado e sentir cheiro de torrada, que ela só comia de fim de semana, mas não entendia como a moça podia tomar nescafé. O cheiro era ruim e tinha gosto de saco de lixo. Preferia o leite com açúcar frio e a fatia de bolo Pullman. Não conversavam, mas sorriam no virar das páginas do jornal. Na segunda de manhã, ele se gabava no cantinho do café do escritório, que o fim de semana tinha sido muito bom, tudo sossegado, muito bom, realmente.
Era terça-feira. Ele abriu os olhos e ficou olhando para o copo de água turva na cômoda. O chuveiro estava desligado. O salto não fazia barulho no assoalho de madeira, mesmo já tendo passado das 7h30. O cheiro ruim de Nescafé não invadiu o quarto e a porta não bateu seguida do barulho metálico das chaves.Ele levantou, calçou os chinelos sem pressa e fez o trajeto do quarto para a cozinha. As janelas fechadas, o sofá com poeira acumulada, as correspondências formando uma barreira entre o tapete e o vão da porta. Os grampos na mesa. Era como se soubesse, mas não sabia. Sentou na banqueta em frente à geladeira e ficou observando o pedaço de papel pregado com um imã, que imitava um pedaço de melancia. A letra dela anunciava em caneta preta que não ia voltar cedo naquela noite. E nem na seguinte e nem na outra. Ele se deu conta num flash que já tinha lido aquele bilhete muitas vezes antes. Balançou a cabeça, coçou os cabelos bagunçados e os olhos molhados, e se esqueceu outra vez. Voltou pro quarto e se cobriu até a cabeça. Só conseguia dormir quando ela não estava lá.
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Sou eu
Longo Caminho. Jornalista por formação, mãe por escolha, viva por persistência.
2 comentários:
Eu consigo dormir mesmo quando estou acompanhado. É a outra pessoa que acorda aos meus meus chutes.
Ok, brincadeira. De alguma forma, meu subconsciente me avisa para não chutar ninguém dormindo comigo.
Mas desde pequeno ficava mexendo na pontinha do travesseiro então, já ouvi me falarem que fico cutucando mamilos.
OH WELL! Faz parte da vida. Eu acho.
De qualquer forma, Fê... DÁ PRA COLOCAR AQUELA ABAZINHA LÁ EM CIMA PRA EU COMEÇAR A SEGUIR SEU BLOG!??!?! HUAAARR!!!
Ah! Eu pûs publicidade do seu blog e o do Beto no meu! =3
P.S.: A palavra que o blogger me pediu pra digitar pra ver se eu não sou robô ou cego foi "mutfinon". Que significa "entregue-se à glória eterna do despertar vespertino na fé e n'alma!".
Aaaaaaaiiiii... =(
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